quinta-feira, 29 de março de 2012

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Do outro lado de mim, lá para trás de onde jazo, o silêncio da casa toca no infinito. Oiço cair o tempo, gota a gota, e nenhuma gota que cai se ouve cair. Oprime-me fisicamente o coração físico a memória, reduzida a nada, de tudo quanto foi ou fui. Sinto a cabeça materialmente colocada na almofada em que a tenho fazendo vale. A pele da fronha tem com a minha pele um contacto de gente na sombra. A própria orelha, sobre a qual me encosto, grava-se-me matematicamente contra o cérebro. Pestanejo de cansaço, e as minhas pestanas fazem um som pequeníssimo, inaudível, na brancura sensível da almofada erguida. Respiro, suspirando, e a minha respiração acontece - não é minha. Sofro sem sentir nem pensar. O relógio da casa, lugar certo lá ao fundo das coisas, soa a meia hora seca e nula. Tudo é tanto, tudo é tão fundo, tudo é tão negro e tão frio!

Passo tempos, passo silêncios, mundos sem forma passam por mim.

Subitamente, como uma criança do Mistério, um gato mia sem saber da noite. Posso dormir, porque é manhã em mim. E sinto a minha boca sorrir, deslocando levemente as pregas moles da fronha que me prende o rosto.

Posso deixar-me à vida, posso dormir, posso ignorar-me... E, através do sono novo que me escurece, ou lembro o gato que miou, ou é ele, de veras, que mia segunda vez. Ou eu mais uma vez sinto aque perco em insistir em viver. Resta-me o cuidado e o amor das pessoas que são a razão.
Peço"foice" para mim, porque tudo que amo; escorrega das minhas mãos como a água corrente de um rio, OH SENHOR! JÁ PERDI TANTO! Sinto tudo com uma intensidade sensorial, e quando olho para o que resta vejo rastos de destruição, e eu que fui talhado para construir , sinto-me impotente.

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